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Showing posts from 2008

Cemitério de Pianos, de José Luís Peixoto

José Luís Peixoto abre espaços dentro das palavras, e lá dentro consegue meter vastas planícies de silêncios, pequenos sons, paletas de cores, rios inteiros de águas lodosas que arrastam o tempo para outra dimensão. Ao lê-lo, a noção do tempo altera-se, o pulsar do coração torna-se mais lento, pesado, tranquilo, até acabarmos por conseguir sentir os segundos entre os dedos. A luz também se altera, e desdobra-se infinitas vezes até ao âmago da escuridão, aquele ponto em que ambas, luz e escuridão, se misturam e tecem nas sombras. A luz demora-se nas esquinas, nas arestas, nas superfícies e espelha-se, com um brilho invulgar, mágico, na retina translúcida do olhar que era o nosso, na infância já longínqua, hoje apenas um pontinho minúsculo no horizonte enevoado. As palavras dilatam, como o tempo, e albergam dentro delas o princípio e o fim do mundo, das vidas simples que descrevem, do cheiro da terra seca ao sol e da mesma terra molhada das chuvas. São mundos dentro de outros mundos, qu

A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Záfon

Depois deste livro, parece-nos que não existe  outro  livro nem outra estória. Não pode haver. Não é que não estejam lá, todos os outros grandes escritores e as grandes estórias que já lemos, as que ainda não lemos e as que nunca leremos, porque estão, entram pela janela e invadem a teia das palavras que nos rodeia, como aquela luz rara que de vez em quando nos acaricia o olhar cansado de tanta frivolidade. Aliás, não fosse esta estória uma estória de livros, com muitos livros, milhares deles, dentro dela, repousando para sempre nas estantes do Cemitério dos Livros Esquecidos, que de esquecidos só têm mesmo o nome ou a simples impossibilidade numérica de os ler a todos. Mas, inexplicavelmente, todos esses grandes livros que nos povoam o imaginário parecem de súbito, criação deste. Entendemos, portanto. Tudos o que lemos anteriormente, seria, então, um caminho que nos levaria aqui. A este livro. E daqui o caminho que se abre ganha uma outra luz, depois deste. Porém, nos minutos seg

Purga em Angola, de Dalila Cabrita e Álvaro Mateus

Ler este livro foi, para mim, uma viagem infernal, dolorosa, porém de grande lucidez. Aquela lucidez absolutamente crédula do poder regenerativo e re-estruturante da verdade. Não a verdade absoluta, única, universal, que não existe, antes a simples verdade dos factos, e mais importante, as verdades sentidas, sofridas na pele por quem viveu esses factos; aquelas verdades há muito caladas e engolidas, presas na garganta, amordaçadas, e que finalmente vêm à tona. Ler este livro representou, também, e definitivamente, o fim de um mito - um mito que já vinha morrendo aos poucos, mas que, talvez, ainda mantivesse alguns restos teimosamente agarrados à vida. Eu cresci a ouvir o Zeca cantar o "homem novo do MPLA". Cresci com a ideia que de facto o MPLA era o movimento popular de libertação de Angola, levando realmente à letra o significado destas palavras tantas vezes ditas e ouvidas. A autonomia e a independência de um povo, de um país, contra o Colonialismo, esse monstro escravoc