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Showing posts from 2016

Poetas na Diáspora - Antologia

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A I Antologia de Poetas na Diáspora ( Oxalá Editora - Autores da Diáspora ), contemplando 21 poetas de vários países, chegará em breve a algumas livrarias em Portugal, e já se encontra disponível aqui .

Grandes e pequenos idiotas

Assim como há grandes e pequenos filhos da puta, também há grandes e pequenos idiotas. Os pequenos idiotas não trazem grande mossa ao mundo; já os grandes idiotas não podem passar despercebidos. Não estando nunca contentes com o seu tamanho, esforçam-se constantemente por ser maiores e melhores idiotas. Claro que se acham o máximo, e claro que os outros é que são os idiotas, na sua perspectiva. As suas opiniões deveriam até ser emolduradas a ouro e penduradas nas paredes. Que digo eu? Deviam erguer-se monumentos nacionais às suas ideias brilhantes e visionárias. O grande drama do grande idiota é precisamente este: ninguém parece reparar que só do seu cérebro milagroso é que brotam pérolas dignas desse nome, que só da sua mente genial é que se eleva, qual ave rara e perfeita, a verdade absoluta. Que fazer, então, para que o mundo repare neles? Aqui começa a grande luta do grande idiota. Há que embandeirar a maravilhosa e prodigiosa obra da natureza que transportam nos seus crânios. E, c

Apaixonei-me por um livro

23 de Março de 2009 O meu livro muito amado: corpo delicado, mãos pequenas, unhas roídas, olhar doce e cabelos fartos, negros, que lhe caem em cachos até ao pescoço. Eu vivia para aquele livro: esperava pelas idas ao teatro como se apenas ali, naquele espaço mágico, me fosse possível respirar. Naquela altura desconhecia que a rapariga que eu amava era um livro, assim como todas as pessoas que eu conhecia. Só o soube depois de morto. Que fosse preciso morrer para me aperceber de uma coisa tão óbvia é espantoso. Serão os vivos todos cegos como eu era? As pessoas são livros porque têm muitas páginas. Quando olhamos alguém vemos apenas a página de rosto, tal como quando olhamos um livro. Ao abri-lo, outras páginas se revelam; porém, só uma de cada vez: há sempre aquelas que permanecem ocultas. O mesmo se passa com as pessoas. Os livros que amamos, aqueles que nos conquistam, são os que lemos até ao fim, vencidos; os mesmos que, chegados à última página, não queremos que terminem

Apaixonei-me por um livro, amanhã no Jornal de Letras

Um Festival Literário não se esgota nas conferências, conversas e convívio entre escritores, organizadores e jornalistas. Quando, no dia 16 de Abril, embarquei no Aeroporto do Funchal, de regresso a Londres, trazia na mala um punhado de estórias que as pessoas e os lugares que visitei me foram contando ao longo daqueles cinco dias. Fui até à Fajã da Ovelha com o Duarte, a Manuela e o Francisco, onde nos perdemos no nevoeiro à procura da escola e não conseguíamos ver a Igreja que toda a gente nos indicava como ponto de referência. Chegámos a desconfiar de que, por aquelas bandas, se chamava Igreja a locais mais prosaicos de práticas de rituais de convívio e consumo de bebidas espirituosas. Ouvi relatos sobre as cheias de 2010 e pressenti o horror da tragédia no relevo acidentado da ilha, nas ribanceiras e escarpas que se abatem na ferocidade do mar, na voz de quem me falava de algo que parecia ter sucedido, não há seis anos, mas ontem, porque a dor estanca o correr do tempo e não deixa

Livros emprestados

Caí no erro de emprestar o Manual de Sobrevivência para Poetas, Sonhadores e Outras Criaturas Aladas e nunca mais voltei a vê-lo. Encontrei-o na biblioteca do meu avô, uma tiragem de 1899 de uma editora a que não se conseguia ler o nome, autor anónimo. Certa vez, antes de o ter emprestado, encontrei um exemplar gémeo num alfarrabista nas Escadinhas do Duque, em que a palavra Aladas do título fora substituída por Aluadas, de forma que desconheço qual o título original. O livro destina-se a ajudar quem sofre de ausências recorrentes (a psiquiatria contemporânea chama-lhe episódios de despersonalização e/ou desrealização) e nesse campo era-me particularmente vantajoso, uma vez que sofro desse mal desde tenra idade. No dia em que o terminei, almocei com a minha amiga Nora e, enquanto subia momentaneamente ao cimo do carvalho que avistava da janela, ela pediu-mo emprestado. Quando voltei a mim já era tarde. (escrevi este texto a pedido do Nuno Costa Santos, para um artigo no Observad

A Vaca Leitora: apresentação e inauguração da exposição das ilustrações

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Os Comeres dos Ganhões

Da Páscoa da minha infância, o que retenho é o traseiro de um senhor chamado Vadis. O Aníbal gostava da piada: é hora de ver o Quo Vadis! E todos os anos a cena se repetia. O meu primo Aníbal era ateu e comunista convicto. A livraria que fundou em Estremoz e onde distribuía livros proibidos pela censura retém o seu nome até hoje. Era também um excelente cozinheiro. Arrisco dizer que em sua casa se comia melhor do que nos mais bem cotados restaurantes da região. A Cozinha dos Ganhões, que continua a integrar a FIAPE, em Estremoz, foi ideia sua e de outros seus compadres. Os Comeres dos Ganhões , editado em 1994 pela Campo das Letras, é uma colectânea de receitas típicas muito original: antes de cada receita são reunidos testemunhos sobre a forma como aquele prato (não) era comido nos tempos em que a fome e a miséria grassavam no Alentejo. São histórias de pasmar: o trabalho de sol a sol, ou ver a ver, durava enquanto houvesse luz. A açorda pelada, assim designada porque quando c

A minha apresentação no Festival Literário da Madeira, Abril de 2016

«Há livros que se premeditam, há livros que nos acontecem» Eduardo Prado Coelho  A palavra premeditação tem, para mim, uma conotação quase imediata com frieza e calculismo; mais depressa a associo a crimes inconfessáveis do que a livros. Quem sabe por isso, ao ler esta frase, comecei, involuntariamente, a transformar o seu significado noutra coisa qualquer. Deste modo, dividi a palavra em duas: pré + meditação A palavra meditação pode ter dois significados:  - Acto de reflectir, pensar sobre um assunto de forma profunda;  -  Exercício mental que consiste em bloquear as ondas mentais, esvaziar a mente de todo e qualquer pensamento, normalmente com o auxílio de um mantra. Estes dois significados parecem, aparentemente, contraditórios. Como é que se reflecte sobre um assunto esvaziando a mente de pensamentos? A não ser que a mente passe a reflectir como reflectem os espelhos, tal parece tarefa impossível. Por outro lado, existe uma diferença subtil entre dizer, “eu p

O meu contributo para o Festivalinho Literário Infantil da Madeira, Abril de 2016

«Todas as crianças do Mundo devem ser concebidas como seres nascidos para ler» Lídia Jorge "Falamos em ler e pensamos apenas nos livros. Mas a ideia de leitura aplica-se a um vasto universo. Nós lemos emoção nos rostos, lemos os sinais climáticos nas nuvens, lemos o chão, lemos o Mundo, lemos a Vida. Tudo pode ser página. Depende apenas da intenção de descoberta do nosso olhar." Mia Couto Eu diria que, nisso, as crianças são exímias. Já dentro da barriga das mães os bebés lêem: lêem o bater do coração, o sopro da respiração, o fluxo sanguíneo, a digestão, o trânsito intestinal e todo o universo de ruídos que acompanha estes mecanismos. Lêem a obscuridade e a luz, vermelha porque atravessa a carne (como a luz que se incendeia quando olhamos para o sol através dos dedos), lêem a obscuridade e a luz, dizia, que com eles mora naquele espaço aquático, morno, aconchegante que é o útero materno. Ler é ver e ouvir o mundo e, acima de tudo, senti-lo. Uma vez fora do út

Um vazio do tamanho da nossa ignorância

Hoje em dia está na moda achar que todos os livros são autobiográficos. Deixem que diga: não há livros autobiográficos, a não ser as autobiografias. E, mesmos nestas, não me parece que os autores sejam capazes de pôr a ficção de lado, simplesmente porque ninguém consegue tal proeza. Nós ficcionamos o tempo todo. Como é que alguém se consegue comover com um raio de sol a dissolver as nuvens de um dia cinzento, as ondas do mar, as estrelas no céu ou uma paisagem de sonho? Reparem: as estrelas são apenas explosões a milhares de milhões de anos-luz, a maioria já extintas. A água do mar é composta por um átomo de oxigénio para dois de hidrogénio, em estado líquido, e as respectivas pontes. Isso e mais uma enxurrada de minerais. Não tem mistério nenhum. Os raios de sol são uma ilusão, já que a luz, à prodigiosa velocidade aproximada de 300 mil quilómetros por segundo, é invisível; ou melhor, é ela que nos permite ver, mas não a podemos ver a ela. Ou seja, se nos limitássemos a ver o mundo ta

Já nas livrarias

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O livro infantil a Vaca Leitora já se encontra à venda nas Livrarias. O livro foi escrito por mim e ilustrado pela Rute Reimão . Esta é a história da Vaca Felisberta, que vivia numa quinta muito bonita, mas andava fartinha do pasto e das ervas que comia todos os dias. Até que descobriu um novo petisco muito especial...

Miúda Children's Books in Portuguese

Em Londres, a comunidade portuguesa já soma para cima de 30 000 habitantes. Uma das grandes preocupações de quem emigra, no caso de ter crianças, é a adaptação à nova língua e as possíveis consequências para a aprendizagem e o progresso escolar. Isto numa primeira fase, antes mesmo de apanhar o avião. Porque, uma vez chegados, instalados, e as crianças na escola, rapidamente nos apercebemos de que não é essa a grande preocupação, uma vez que, regra geral, as crianças têm um poder de assimilação de uma nova língua incrível. A dor de cabeça passa, assim, a ser outra: a preservação da língua materna. Os miúdos ficam completamente submergidos num meio onde a língua inglesa é predominante. Rapidamente deixam de falar português fluentemente, apesar de nunca perderem a compreensão do idioma, e isto se nós continuarmos a falar em português com eles, porque caso contrário mesmo essa capacidade enferrujará com os anos. A língua é de facto uma ferramenta como outra qualquer: a falta de uso traz a

Adopção hetero e homoparental: o risco (maior) de que ninguém fala

Em entrevista ao jornal Público, no passado 21 de Fevereiro, António Coimbra de Matos expressou uma opinião assaz revolucionária para um psicanalista de 86 anos sobre a adopção homoparental, ao dizer que "não há perigo nenhum na adopção por casais homossexuais", em termos patogénicos; isto se considerarmos que há vinte anos a posição da maioria dos psicanalistas, quanto a esta matéria, era diametralmente oposta. (Entrevista na íntegra aqui ). Desconheço se Coimbra de Matos mudou de opinião; o que me parece, porém, é que ainda se continua a dar demasiada importância ao risco que a adopção homoparental possa representar devido ao facto de a criança ter como modelos parentais pessoas do mesmo sexo. O que me deixa perplexa na discussão deste tema é o silêncio, por parte dos técnicos, em relação ao risco que qualquer situação de adopção acarreta. Este, parece-me, é o risco que importa salientar, porque é aquele que mais poderá afectar a vida da criança em termos de desenvolvimen

O absurdo do absurdo

Quem, como eu, assistiu ao vídeo do  debate sobre "Transparência, Direitos Humanos e Sociedade Civil em Angola" , que aconteceu a 18 de Fevereiro de 2016, e onde participaram o subsecretário de Estado adjunto para os Assuntos Africanos dos EUA, Todd Haskell, o embaixador itinerante António Luvualu de Carvalho e Rafael Marques de Morais (organizado pelo National Endowment for Democracy, em Washington, DC ), assistiu ao absurdo dos absurdos, na forma como o embaixador António Luvualu de Carvalho, por várias vezes, acusou Rafael Marques de Morais de dizer mentiras, ao mesmo tempo que ele próprio, António Luvualu de Carvalho, debitava afirmações completamente falsas, mentiras portanto, sobre a situação em Angola: negando que Angola esteja a ser assolada por uma escassez severa de alimentos, fruto da crise que se abateu devido à queda do preço do petróleo; que o nível de pobreza tenha vindo a aumentar; insistindo uma e outra vez que Angola é um estado democrático; que não existem