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Apaixonei-me por um livro

23 de Março de 2009 O meu livro muito amado: corpo delicado, mãos pequenas, unhas roídas, olhar doce e cabelos fartos, negros, que lhe caem em cachos até ao pescoço. Eu vivia para aquele livro: esperava pelas idas ao teatro como se apenas ali, naquele espaço mágico, me fosse possível respirar. Naquela altura desconhecia que a rapariga que eu amava era um livro, assim como todas as pessoas que eu conhecia. Só o soube depois de morto. Que fosse preciso morrer para me aperceber de uma coisa tão óbvia é espantoso. Serão os vivos todos cegos como eu era? As pessoas são livros porque têm muitas páginas. Quando olhamos alguém vemos apenas a página de rosto, tal como quando olhamos um livro. Ao abri-lo, outras páginas se revelam; porém, só uma de cada vez: há sempre aquelas que permanecem ocultas. O mesmo se passa com as pessoas. Os livros que amamos, aqueles que nos conquistam, são os que lemos até ao fim, vencidos; os mesmos que, chegados à última página, não queremos que terminem

Apaixonei-me por um livro, amanhã no Jornal de Letras

Um Festival Literário não se esgota nas conferências, conversas e convívio entre escritores, organizadores e jornalistas. Quando, no dia 16 de Abril, embarquei no Aeroporto do Funchal, de regresso a Londres, trazia na mala um punhado de estórias que as pessoas e os lugares que visitei me foram contando ao longo daqueles cinco dias. Fui até à Fajã da Ovelha com o Duarte, a Manuela e o Francisco, onde nos perdemos no nevoeiro à procura da escola e não conseguíamos ver a Igreja que toda a gente nos indicava como ponto de referência. Chegámos a desconfiar de que, por aquelas bandas, se chamava Igreja a locais mais prosaicos de práticas de rituais de convívio e consumo de bebidas espirituosas. Ouvi relatos sobre as cheias de 2010 e pressenti o horror da tragédia no relevo acidentado da ilha, nas ribanceiras e escarpas que se abatem na ferocidade do mar, na voz de quem me falava de algo que parecia ter sucedido, não há seis anos, mas ontem, porque a dor estanca o correr do tempo e não deixa