Cemitério de Pianos, de José Luís Peixoto

José Luís Peixoto abre espaços dentro das palavras, e lá dentro consegue meter vastas planícies de silêncios, pequenos sons, paletas de cores, rios inteiros de águas lodosas que arrastam o tempo para outra dimensão. Ao lê-lo, a noção do tempo altera-se, o pulsar do coração torna-se mais lento, pesado, tranquilo, até acabarmos por conseguir sentir os segundos entre os dedos. A luz também se altera, e desdobra-se infinitas vezes até ao âmago da escuridão, aquele ponto em que ambas, luz e escuridão, se misturam e tecem nas sombras. A luz demora-se nas esquinas, nas arestas, nas superfícies e espelha-se, com um brilho invulgar, mágico, na retina translúcida do olhar que era o nosso, na infância já longínqua, hoje apenas um pontinho minúsculo no horizonte enevoado. As palavras dilatam, como o tempo, e albergam dentro delas o princípio e o fim do mundo, das vidas simples que descrevem, do cheiro da terra seca ao sol e da mesma terra molhada das chuvas. São mundos dentro de outros mundos, que se abrem, lentamente, como pétalas de uma flor. Mundos que cabem em espaços minúsculos, em pequenos gestos, minudências; gestos que descaem, lentos, de mãos enrugadas pela idade, ásperas, como casca de árvore; mãos gretadas pela água gelada misturada com sabão azul e branco, em ferida, de tanto esfregar.


Na sua escrita, cada frase é uma porta entreaberta para outro quarto, outra casa, outra rua, outro mundo. Às vezes as frases tornam-se líquidas e transportam-nos ao mar; de outras são sólidas como pedregulhos de múltiplas e incisivas arestas. Neste Cemitério de Pianos, o tempo torna-se redondo, e anda para a frente e para trás no mesmo movimento (só numa superfície redonda o atrás se torna no que vem à frente). É essa a magia do universo, do mundo, dos planetas, dos movimentos de rotação e translação: infinitos e intermináveis círculos, sempre em frente e para trás ao mesmo tempo; sempre redondos e repetitivos. A vida é uma repetição interminável em várias versões que parecem diferentes mas que, no fim, se descobrem semelhantes. Todos os caminhos vão dar ao mesmo ponto. Mas não é um simples ponto, claro. É um lugar, ele também, redondo. E nele cabem todos os destinos, todos os passos, todos os rostos, todas as danças trágicas de todas as vidas e ainda todas as almas iluminadas que dão luz a essas vidas.

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