Um Pai em Nascimento, de José Eduardo Agualusa
"O meu filho está na idade do polvo - a todo o momento nascem-lhe imprevistos braços e as respectivas mãos." É assim que começa uma das crónicas do livro de José Eduardo Agualusa, Um Pai em Nascimento. Lembrava-me desta frase, nunca mais a esqueci, desde um dia, já há alguns anos, em que achei que não havia melhor forma de descrever aquela idade em que as crianças se lançam na exploração do mundo, virando-o de pernas para o ar, e a nós com ele, pelo que agarrei na Pais & Filhos de então e fotocopiei a última página (espero que não se lembrem de me autuar por atentado aos direitos de autor ao fim de tanto tempo) para levar para uma sessão de formação que leccionava na altura a um grupo de futuras amas e auxiliares de educação. Lembro-me, aliás, que o que realmente pretendia era introduzir alguma corrente de ar, digamos assim, naquelas sessões, onde tinha de ir falando sobre as primeiras etapas do desenvolvimento infantil. Uma aragem fresca num assunto que facilmente se pode tornar monótono e aborrecido.
Reler essa crónica, ao fim de (quantos?) doze anos (ou serão treze?), e ler pela primeira vez muitas outras, foi muito mais do que uma janela aberta, digamos que foi um vendaval, quase uma tempestade tropical, que me agitou a memória e, muito mais do que a memória, aquelas sensações primitivas que me sacudiram as entranhas quando engravidei pela primeira vez. A gravidez das mulheres é muito mais física, concreta e palpável do que a dos homens, esta mais etérea, sonhada, sublimada. Os homens, impossibilitados de carregar o bebé, (ou de chocar o ovo), têm de gerá-lo noutro lugar, aquele que transcende o corpo, ainda que em comunhão com ele: a cabeça, ou o coração, para os mais românticos. O que é curioso é que as mulheres, apesar de ligadas ao bebé pelo cordão umbilical, pelo âmago da sua essência física, não deixam de construir, elas também, esse outro lugar, essa morada, esse país, que começa por ser distante e remoto, mas que se vai tornando cada vez mais nosso, onde começamos por habitar, primeiro como estrangeiras, e depois, cada vez mais certas, como mães.
"Gostaria de acreditar" diz José Eduardo Agualusa, "que ao partilhar as minhas dúvidas, ansiedades e alegrias, estou a contribuir para que alguns homens se sintam um pouco menos sozinhos nos seus erros e algumas mulheres um pouco menos acompanhadas nas suas formidáveis certezas."
As certezas das mães, ou o seu famoso instinto, que parece advir apenas do facto de serem mães, e que eu acredito que nasçam dessa intimidade fisiológica que não admite distância nem estranheza (és carne da minha carne, sangue do meu sangue, o que é que posso não saber de ti?) são, elas também, vulneráveis aos ventos agitados da alma, quando, chegadas a esse lugar remoto, que nasceu algures entre a barriga e o coração e a cabeça, se encontram com essa outra mulher, esta acabada de nascer, e cheia de dúvidas e medos e ansiedades tão poderosas como as raízes de certas árvores e certas verdades cósmicas. Por isso uma mãe também partilha com o pai este território desconhecido, em que ambos nascem sem se reconhecerem, como se precisassem de aprender tudo de novo, como se olhassem para o mundo pela primeira vez. Uma mãe também se reconhece nas dúvidas de um pai que não sabe para onde vai, que se questiona e pensa sobre o que é isso de ser pai. É esse o verdadeiro milagre da vida: permitir-nos habitar outros mundos como se fossem nossos.
Recomendo este livro a toda e gente e especialmente àqueles pais (homens) perdidos e embrenhados no mar de dúvidas e angústias da primeira viagem. Não porque vão encontrar respostas, mas porque certamente encontrarão a certeza tranquilizadora de que não são os únicos náufragos nessas águas, certeza essa que é sem dúvida a melhor bóia. E porque, para além disso, irão desfrutar das gargalhadas que os salpicos da água provocam a quem se embrenha nessa fantástica aventura, a de ser pais e a da leitura destas crónicas.
Reler essa crónica, ao fim de (quantos?) doze anos (ou serão treze?), e ler pela primeira vez muitas outras, foi muito mais do que uma janela aberta, digamos que foi um vendaval, quase uma tempestade tropical, que me agitou a memória e, muito mais do que a memória, aquelas sensações primitivas que me sacudiram as entranhas quando engravidei pela primeira vez. A gravidez das mulheres é muito mais física, concreta e palpável do que a dos homens, esta mais etérea, sonhada, sublimada. Os homens, impossibilitados de carregar o bebé, (ou de chocar o ovo), têm de gerá-lo noutro lugar, aquele que transcende o corpo, ainda que em comunhão com ele: a cabeça, ou o coração, para os mais românticos. O que é curioso é que as mulheres, apesar de ligadas ao bebé pelo cordão umbilical, pelo âmago da sua essência física, não deixam de construir, elas também, esse outro lugar, essa morada, esse país, que começa por ser distante e remoto, mas que se vai tornando cada vez mais nosso, onde começamos por habitar, primeiro como estrangeiras, e depois, cada vez mais certas, como mães.
"Gostaria de acreditar" diz José Eduardo Agualusa, "que ao partilhar as minhas dúvidas, ansiedades e alegrias, estou a contribuir para que alguns homens se sintam um pouco menos sozinhos nos seus erros e algumas mulheres um pouco menos acompanhadas nas suas formidáveis certezas."
As certezas das mães, ou o seu famoso instinto, que parece advir apenas do facto de serem mães, e que eu acredito que nasçam dessa intimidade fisiológica que não admite distância nem estranheza (és carne da minha carne, sangue do meu sangue, o que é que posso não saber de ti?) são, elas também, vulneráveis aos ventos agitados da alma, quando, chegadas a esse lugar remoto, que nasceu algures entre a barriga e o coração e a cabeça, se encontram com essa outra mulher, esta acabada de nascer, e cheia de dúvidas e medos e ansiedades tão poderosas como as raízes de certas árvores e certas verdades cósmicas. Por isso uma mãe também partilha com o pai este território desconhecido, em que ambos nascem sem se reconhecerem, como se precisassem de aprender tudo de novo, como se olhassem para o mundo pela primeira vez. Uma mãe também se reconhece nas dúvidas de um pai que não sabe para onde vai, que se questiona e pensa sobre o que é isso de ser pai. É esse o verdadeiro milagre da vida: permitir-nos habitar outros mundos como se fossem nossos.
Recomendo este livro a toda e gente e especialmente àqueles pais (homens) perdidos e embrenhados no mar de dúvidas e angústias da primeira viagem. Não porque vão encontrar respostas, mas porque certamente encontrarão a certeza tranquilizadora de que não são os únicos náufragos nessas águas, certeza essa que é sem dúvida a melhor bóia. E porque, para além disso, irão desfrutar das gargalhadas que os salpicos da água provocam a quem se embrenha nessa fantástica aventura, a de ser pais e a da leitura destas crónicas.