Carta para Luaty Beirão

Querido Luaty,
Estás em greve de fome há 36 dias. Tenho-os contado. Eu e tantos outros, pelo mundo fora. Os olhos do mundo estão postos em ti e nos teus camaradas. Por todo o lado estalam manifestações de solidariedade para com a vossa situação. Multiplicam-se as petições, os protestos. A vossa luta está a dar frutos e só por isso já é vitoriosa.

Estas palavras são de alguém que te admira muito e nutre um imenso respeito pela tua integridade e força de carácter. Por conseguinte, não pretendo demover-te do teu caminho nem convencer-te a alterar as tuas escolhas. Sei que tens recebido muitas solicitações para que acabes com a greve de fome. De alguma forma já deves estar cansado desse discurso. Eu, no entanto, apenas pretendo partilhar contigo as minhas reflexões. Serás livre de concordar, ou não, comigo.

Volto a frisar que tenho uma enorme admiração pela tua coragem e é com humildade que a ti me dirijo. O que estás a fazer é algo que muito poucos conseguiriam. Sei que não te consideras um líder ou um herói, mas tens a mesma determinação e poder de resistência que encontramos naquelas almas que conseguem mudar o mundo com pequenas (grandes) acções.

Aquilo que te quero dizer é o mesmo que dirias, tenho a certeza, a qualquer um que estivesse no teu lugar: a tua luta não pode acabar aqui. O país, o mundo, precisam de ti. Mantém-te vivo, irmão. As causas, grandes e pequenas, não foram feitas para se morrer por elas, mas para se lutar por elas. E para isso é imperativo estar-se vivo.

És um guerreiro, Luaty, dos verdadeiros: os que prescindem da violência e da força bruta. Porém, aquilo a que estás a submeter o teu próprio corpo é de uma violência extrema. E porque há-de a tua vida valer menos do que as vidas que pretendes salvar? O propósito maior da tua luta é defender a dignidade, o respeito pela vida humana. A tua vida tem forçosamente de estar incluída.
Um guerreiro sabe quando é preciso recuar, mudar de estratégia. Perder uma batalha não significa a derrota. Há valores por que vale a pena resistir até ao fim - vivo.

A tua morte não vai trazer nada de bom. A morte nunca traz nada de bom. As pessoas vão sentir-se revoltadas, o ódio e a raiva tomarão conta dos seus corações. A violência, a mesma que queres impedir, uma vez que tens insistido numa luta pacífica, terá todos os ingredientes para detonar. A raiva e o ódio são cegos, tu sabes disso. E as revoltas sangrentas alimentam-se deles.

A tua vida, sim, essa tem poder transformador. Já está a ter. O que conseguiste em pouco mais de um mês ninguém conseguiu em anos e anos de opressão. Isso já não volta atrás. Manteres-te vivo não significa ceder aos teus opressores, pois eles querem-te morto – vão deixar-te morrer, não restam dúvidas. Por conseguinte, na tua vida é que reside o desafio aos teus opressores. O valor da vida humana tem de representar o único compromisso de honra que interessa preservar, neste momento. Não faz sentido lutar por um mundo melhor, por melhores condições de vida, entregando a tua. Não faz sentido como princípio: a tua vida não pode ser menos importante do que qualquer outra. E, hoje, ela é mais preciosa do que nunca, para a luta que se avizinha. O teu corpo sabe disso. O teu corpo tem mostrado uma resistência extraordinária. As tuas células recusam-se a morrer, a abandonar a luta. Ouve o grito de resistência do teu corpo e mantém-te vivo. Força, companheiro.

Popular posts from this blog

Capitolina Revista - Uma publicação dedicada à literatura em língua portuguesa

Teimosia Crónica na Descendências Magazine

A Cabana do Tio Tom