Os Comeres dos Ganhões, de Aníbal Falcato Alves
Sobre o autor:
"Nasceu em Estremoz, em 1921. Aos 10 anos começou a trabalhar como caixeiro, profissão que conservou durante 40 anos. Fez o curso de canteiro artístico. Em 1971, ingressou no ensino como professor de trabalhos manuais, profissão que abandonou em 1991. Autor de vasta e riquíssima obra sobre a cultura alentejana, que compreende recolhas gastronómicas e peças de artesanato em madeira e papel, realizou inúmeras exposições na região. Data de 1987 a sua primeira exposição individual, em Almada, no Grupo de Teatro Campolide; contando com mais de 30 exposições no país, entre individuais e colectivas. Fundador do Cine Clube de Estremoz, então um dos mais importantes do país, e do Círculo Cultural de Estremoz. Sócio da Sociedade de Belas Artes na altura do ressurgimento, bem como da Gravura e da Cooperativa árvore, na sua fundação. Militante do PCP desde a década de 50, teve participação destacada na luta contra a ditadura fascista e integrou activamente as campanhas do General Norton de Matos e Humberto Delgado. Faleceu em Junho de 1994."
(informação retirada da contracapa do livro)
O Aníbal era meu primo, e dele recordo a sua simplicidade, o bom humor e disposição, os inúmeros quadros da sua autoria espalhados pela casa, e muitas outras obras de arte, que lhe saíam naturalmente das mãos, a sua arrecadação sempre cheia de coisas a que ele dava utilidade, os seus petiscos e o cheiro e o sabor dos seus cozinhados.
Este livro é um livro de culinária, com as receitas de vários pratos típicos da gastronomia alentejana. É, porém, completamente diferente dos outros livros de cozinha: antes de cada receita, tem vários testemunhos reais de como aquele prato era comido (ou antes,não era comido) pelas pessoas no passado, na época antes do 25 de Abril, quando a miséria alastrava pela região. São histórias de pasmar, histórias de arrepiar, histórias de memórias que não se esquecem e que marcam o passado do nosso país.
Já ouviram falar do "trabalho de sol a sol", ou "trabalho de ver a ver?" Era assim que os homens e as mulheres que trabalhavam no campo se referiam a ele: porque era um trabalho que durava enquanto houvesse luz, começava quando o sol se levantava e acabava quando o sol se punha. Já ouviram falar na açorda pelada, que era a açorda que as pessoas mais pobres comiam, feita apenas de água e um fiozinho de azeite, e que se chamava pelada porque quando caía nas calças não deixava nódoa, devido ao facto de quase não ter gordura? E as azeitonas sapateiras, chamadas assim por o cheiro da água em que eram mergulhadas se assemelhar ao cheiro onde os sapateiros tinham as solas de molho? E da fome que tanta gente passou, e de duas ou três sardinhas repartidas irmamente por uma família numerosa: um ficava com o rabo, outro com a barriga, e depois era uma briga porque ninguém queria ficar com a cabeça. E se a família era numerosa, com muitos filhos, como então era hábito acontecer, três sardinhas nem para duas refeições chegavam. Mas haver sardinhas era uma excepção, era motivo de festa, nos outros dias, na maioria das vezes, só havia pão e água.
Vem desses tempos o hábito de usar ervas bravas na confecção dos pratos alentejanas: beldroegas, poejos, espargos, alabaças... Quando a fome apertava as pessoas iam para o campo e apanhavam tudo o que estivesse à mão e fosse comestível, e com uns bocadinhos de pão faziam uma sopa para enganar a fome. Foram tempos de penúria, de miséria e fome, recordados e contados na primeira pessoa, o relato de um sabor amargo que a memória não apaga. Um testemunho importantíssimo para a história do nosso país.
"Nasceu em Estremoz, em 1921. Aos 10 anos começou a trabalhar como caixeiro, profissão que conservou durante 40 anos. Fez o curso de canteiro artístico. Em 1971, ingressou no ensino como professor de trabalhos manuais, profissão que abandonou em 1991. Autor de vasta e riquíssima obra sobre a cultura alentejana, que compreende recolhas gastronómicas e peças de artesanato em madeira e papel, realizou inúmeras exposições na região. Data de 1987 a sua primeira exposição individual, em Almada, no Grupo de Teatro Campolide; contando com mais de 30 exposições no país, entre individuais e colectivas. Fundador do Cine Clube de Estremoz, então um dos mais importantes do país, e do Círculo Cultural de Estremoz. Sócio da Sociedade de Belas Artes na altura do ressurgimento, bem como da Gravura e da Cooperativa árvore, na sua fundação. Militante do PCP desde a década de 50, teve participação destacada na luta contra a ditadura fascista e integrou activamente as campanhas do General Norton de Matos e Humberto Delgado. Faleceu em Junho de 1994."
(informação retirada da contracapa do livro)
O Aníbal era meu primo, e dele recordo a sua simplicidade, o bom humor e disposição, os inúmeros quadros da sua autoria espalhados pela casa, e muitas outras obras de arte, que lhe saíam naturalmente das mãos, a sua arrecadação sempre cheia de coisas a que ele dava utilidade, os seus petiscos e o cheiro e o sabor dos seus cozinhados.
Este livro é um livro de culinária, com as receitas de vários pratos típicos da gastronomia alentejana. É, porém, completamente diferente dos outros livros de cozinha: antes de cada receita, tem vários testemunhos reais de como aquele prato era comido (ou antes,não era comido) pelas pessoas no passado, na época antes do 25 de Abril, quando a miséria alastrava pela região. São histórias de pasmar, histórias de arrepiar, histórias de memórias que não se esquecem e que marcam o passado do nosso país.
Já ouviram falar do "trabalho de sol a sol", ou "trabalho de ver a ver?" Era assim que os homens e as mulheres que trabalhavam no campo se referiam a ele: porque era um trabalho que durava enquanto houvesse luz, começava quando o sol se levantava e acabava quando o sol se punha. Já ouviram falar na açorda pelada, que era a açorda que as pessoas mais pobres comiam, feita apenas de água e um fiozinho de azeite, e que se chamava pelada porque quando caía nas calças não deixava nódoa, devido ao facto de quase não ter gordura? E as azeitonas sapateiras, chamadas assim por o cheiro da água em que eram mergulhadas se assemelhar ao cheiro onde os sapateiros tinham as solas de molho? E da fome que tanta gente passou, e de duas ou três sardinhas repartidas irmamente por uma família numerosa: um ficava com o rabo, outro com a barriga, e depois era uma briga porque ninguém queria ficar com a cabeça. E se a família era numerosa, com muitos filhos, como então era hábito acontecer, três sardinhas nem para duas refeições chegavam. Mas haver sardinhas era uma excepção, era motivo de festa, nos outros dias, na maioria das vezes, só havia pão e água.
Vem desses tempos o hábito de usar ervas bravas na confecção dos pratos alentejanas: beldroegas, poejos, espargos, alabaças... Quando a fome apertava as pessoas iam para o campo e apanhavam tudo o que estivesse à mão e fosse comestível, e com uns bocadinhos de pão faziam uma sopa para enganar a fome. Foram tempos de penúria, de miséria e fome, recordados e contados na primeira pessoa, o relato de um sabor amargo que a memória não apaga. Um testemunho importantíssimo para a história do nosso país.