Retrato em branco e preto
Essa fotografia morava numa prateleira alta de um armário em casa dos meus avós. Nessa altura todas as prateleiras eram altas. Eu pedia para vê-la e a minha avó fazia-me sempre a vontade. Tirava-a da estante e, sentando-me no colo, ajudava-me a encontrar a embrulhadinha. A embrulhadinha era uma menina, assim da minha idade, acho até que com a mesma cara (pelo menos o cabelo era igual), que espreitava do meio da pequena multidão que me olhava da fotografia. Tinha uma manta ou um cobertor a envolvê-la, e por isso estava embrulhada, aconchegada, tapadinha, como se dormisse, mas em pé. Daí o nome, embrulhadinha. Era uma excitação procurá-la no meio de todas aquelas caras de gente crescida, olhos negros e bocas murchas, tezes cinzentas e cabelos, barbas e bigodes escurecidos pelo preto e branco. Cada figurinha tinha o tamanho da ponta do meu dedo mindinho, e havia tantas, lado a lado, em carreirinhas, que encontrar fosse quem fosse já era uma proeza. Ainda hoje não sei quem eram aquelas pes...