História Sem Memória
Não sei como me chamo, nem onde nasci, nem quantos anos passaram desde esse dia. Do tempo anterior a ter chegado vislumbro apenas uma névoa cinzenta, através da qual tento espreitar sem êxito. Perdi o rasto aos dias: num minuto cabem tardes inteiras. Como eu, há muita gente estendida nas inúmeras macas espalhadas em redor. Tenho a cabeça apoiada numa almofada de palha húmida que cheira mal. A cabeça é a única parte do corpo que me sustenta. O resto – o tronco inchado, a bacia, as pernas cortadas acima do joelho e o braço direito – mal os sinto, estão sempre dormentes e não me obedecem. As minhas duas pernas e o braço esquerdo de vez em quando vêm visitar-me de noite; o braço, coitado, atrás daquelas duas apressadas. Era assim que eu andava, sempre a correr de um lado para o outro. Adorava dançar, disso lembro-me bem, e até diziam que eu seria uma grande bailarina. Pouca sorte. Ouvi as mulheres que vêm dar-nos de comer dizer que pisei uma mina. Não sei o que é; só me lembro da avó Mi