Nada na manga

Lembro-me de a minha avó andar com um lenço dentro da manga para se assoar. Nunca me perguntei do motivo para tal. Durante a infância, e boa parte da vida adulta, estes detalhes da vida dos mais velhos não nos causam qualquer inquietação. Olhamos os velhos como se pertencessem a uma espécie diferente: a gente sabe que um dia a metamorfose acontecerá, mas por enquanto ainda estamos do lado de cá. Ao aproximarmo-nos do meio século de existência, caímos na real: não existe transformação nenhuma, nem fronteira; apenas o tempo que traz fraqueza e maleitas ao corpo. Hoje em dia tenho de me assoar constantemente. Não é por andar sempre constipada, é porque o pingo no nariz tornou-se numa constante, capaz de irritar até a mais pacífica das criaturas. É aquele pingo discreto, suave, quase gentil, mas que, não obstante, está sujeito à força da gravidade e, por isso, nos obriga a gastar quantidades de lenços pouco recomendáveis à saúde do planeta. Já pensei várias vezes na praticalidade de andar com um lenço enfiado na manga, ou no bolso. E volto a lembrar-me da minha avó, e do gesto dela a tirar o lenço da manga, assoar-se ruidosamente e voltar a colocá-lo no lugar. É que precisamos de nos esmerar no acto, porque senão daí a cinco minutos estaremos a repeti-lo. Intervalos de cinco minutos não são nem práticos nem desejáveis; de hora a hora, ainda vá lá, e mesmo assim. É no corpo que sentimos a velhice chegar. Na mente, sentimo-nos sempre com vinte anos. Imagino que seja sempre assim, por mais que os anos passem. Já não está muito longe o dia em que me tornarei igual à minha avó: nas rugas, nos cabelos brancos, no nariz a pingar e no lenço escondido na manga. Nunca mais poderei dizer que não trago nada na manga.

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