Apaixonei-me por um livro
23 de Março de 2009 O meu livro muito amado: corpo delicado, mãos pequenas, unhas roídas, olhar doce e cabelos fartos, negros, que lhe caem em cachos até ao pescoço. Eu vivia para aquele livro: esperava pelas idas ao teatro como se apenas ali, naquele espaço mágico, me fosse possível respirar. Naquela altura desconhecia que a rapariga que eu amava era um livro, assim como todas as pessoas que eu conhecia. Só o soube depois de morto. Que fosse preciso morrer para me aperceber de uma coisa tão óbvia é espantoso. Serão os vivos todos cegos como eu era? As pessoas são livros porque têm muitas páginas. Quando olhamos alguém vemos apenas a página de rosto, tal como quando olhamos um livro. Ao abri-lo, outras páginas se revelam; porém, só uma de cada vez: há sempre aquelas que permanecem ocultas. O mesmo se passa com as pessoas. Os livros que amamos, aqueles que nos conquistam, são os que lemos até ao fim, vencidos; os mesmos que, chegados à última página, não queremos que terminem...