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Showing posts from 2015

Gabriela Ruivo Trindade pede mais atenção da parte dos media

Era este o título de um dos links que se podiam encontrar na homepage do Diário Digital, e que davam acesso à minha entrevista publicada nessa mesma plataforma de informação online, na segunda-feira passada.  Se fosse um trabalho escolar, feito numa aula do sétimo ano, do tipo: lê esta entrevista e depois dá-lhe um título que tente abranger os seus pontos essenciais, que nota acham que o professor daria a um título destes? Na minha opinião, insuficiente. Insuficiente, porque não representa de forma integral aquilo que eu disse; é aliás, uma representação não só parcial como extremamente adulterada das minhas palavras. Eu dou ênfase a uma questão global, que é a da pouca atenção que os media prestam às mulheres escritoras, e este título, por oposição, personaliza as minhas afirmações. Transforma uma questão geral e pertinente num assunto pessoal, de ego; uma questão da maior importância, quanto a mim, não só no panorama literário mundial (Portugal é apenas uma gota no oceano), como

Eu não quero a atenção dos media; eu quero é que os media prestem mais atenção à boa literatura, aos autores sistematicamente ignorados, cuja maioria são, indiscutivelmente, as mulheres

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"O meio literário é um meio essencialmente masculino; ser mulher obriga a um esforço acrescido da parte destas para alcançarem resultados equivalentes aos dos homens, e mesmo assim a equivalência, neste caso, será sempre por defeito.  Em relação a esta questão, pela parte que me toca, é especialmente ilustrativo o facto de Uma Outra Voz ser o único prémio Leya que falta publicar no Brasil. Por outro lado, o primeiro prémio Leya a ser distinguido também com o PEN não constitui, até à data, matéria de interesse suficiente para um destaque mais elaborado do que a simples notificação, junto dos meios de comunicação social." A minha entrevista ao Diário Digital para ser lida na íntegra aqui: http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=797045

Carta para Luaty Beirão

Querido Luaty, Estás em greve de fome há 36 dias. Tenho-os contado. Eu e tantos outros, pelo mundo fora. Os olhos do mundo estão postos em ti e nos teus camaradas. Por todo o lado estalam manifestações de solidariedade para com a vossa situação. Multiplicam-se as petições, os protestos. A vossa luta está a dar frutos e só por isso já é vitoriosa. Estas palavras são de alguém que te admira muito e nutre um imenso respeito pela tua integridade e força de carácter. Por conseguinte, não pretendo demover-te do teu caminho nem convencer-te a alterar as tuas escolhas. Sei que tens recebido muitas solicitações para que acabes com a greve de fome. De alguma forma já deves estar cansado desse discurso. Eu, no entanto, apenas pretendo partilhar contigo as minhas reflexões. Serás livre de concordar, ou não, comigo. Volto a frisar que tenho uma enorme admiração pela tua coragem e é com humildade que a ti me dirijo. O que estás a fazer é algo que muito poucos conseguiriam. Sei que não te c

A perda de humanidade

Ontem assisti à conversa aberta que a Amnistia Internacional organizou sobre a situação dos jovens presos políticos em Angola (vídeo abaixo). E só me ocorre dizer: é incrível como a história se repete. É incrível como a cegueira é sempre a mesma.  No debate intervieram alguns jovens angolanos, que estudam ou trabalham em Portugal, cujo discurso revelou, com alguma variedade, mais ou menos a mesma linha de pensamento: Angola é um país independente, não se deve interferir com os seus assuntos internos, isso é paternalismo e restos de colonialismo encapotado; deixem a justiça trabalhar, respeitem as diferenças culturais (que foram apontadas como desculpa para claras condições desumanas de atendimento ao público em alguns hospitais); e finalmente, quem somos nós (e a resto da comunidade internacional) para apontar o dedo a Angola, quando existem violações dos direitos humanos e corrupção à escala mundial.  O que mais me impressionou no discurso destes jovens foi o facto de, nem por um

Conversa Aberta sobre Angola, Direitos Humanos e Liberdade de Expressão

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O que os olhos não vêem e o coração não sangra

Há pessoas que se recusam a olhar a fotografia do menino caído à beira-mar e de mais umas quantas vítimas mortais daquela que é considerada a maior vaga de refugiados desde a Segunda Grande Guerra. Não as condeno. A mim também me provocaram calafrios e uma tremenda angústia as imagens, desse e de tantos outros cadáveres que o mar deu à costa, e que proliferam pelas redes sociais. Mais, procuro compreender: olhar essas mortes, sabendo que foram provocadas por situações de violência levadas a cabo por outros seres-humanos, é, quem sabe, olhar também a culpa de pertencer a essa mesma humanidade, capaz de tais atrocidades. Ou o sentimento de impotência é de tal forma assustador que não conseguimos encarar, mais uma vez, a culpa de nada fazermos para impedir tal horror? As razões para tal recusa, decerto, serão tão diversas quantas as diferentes emoções que possam ser despertadas em cada um de nós pelas ditas imagens e não tenho a pretensão de conhecê-las melhor do que os próprios. Acho,

O Ano Em Que Zumbi Tomou O Rio, de José Eduardo Agualusa

Um pequeno (grande) homem que morre e ressuscita, e que vive no desejo de se libertar do peso do corpo. Ele vai ser testemunha de um acontecimento histórico importantíssimo. As suas palavras levarão ao resto do mundo (esta parte imaginei; na verdade ele apenas escreve para um jornal português) o seu olhar sempre atento e perspicaz sobre a maior revolta negra na história do Brasil, desde a escravatura. Mas esta não é uma revolta só dos negros. É a revolta de todos os que vivem marginalizados no seu próprio país, de todos os que habitam o submundo das favelas brasileiras e não têm hipótese de se libertar da austera estigmatização social, numa sociedade onde não existe lugar para eles, numa sociedade que, paradoxalmente, não se considera racista nem preconceituosa. Uma mulher triste e solitária, que se diverte a atormentar os homens com as suas obras de arte pouco convencionais sobre a natureza feminina, e que abre a porta para um desconhecido no meio da noite; a porta da rua e a do coraç

O Outro Pé Da Sereia, de Mia Couto

"A viagem não começa quando se percorrem distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores. A viagem acontece quando acordamos fora do corpo, longe do último lugar onde podemos ter casa"  Mia Couto cria estórias de encantar. E, através das suas estórias, dá-nos uma importante lição de história. A história de um povo não é mais do que o encontro das suas memórias. E, quando essas memórias se perdem, quando as pessoas abandonam a própria memória para sobreviver, a história queda-se, perdida, entre abismos e fantasmas. Este é um livro de viagens dentro da história de cada personagem. Para recuperar as memórias perdidas, é preciso viajar até ao interior de nós próprios, ao passado, à nossa própria história. Assim, uma mulher que se isolara para esquecer volta à sua terra natal, e ao seu passado. Ela terá de enterrar os seus mortos, que permaneciam vivos, na parede eterna onde os seus rostos a olhavam das molduras do antigamente. Mas esta viagem vai mais fun

O Último Natal

A mulher olha a árvore de natal em silêncio. O marido está morto há muito; os filhos, num país distante. Ou terá sido ela que se ausentou para parte incerta, não tem a certeza. As velas com aroma a canela e tangerina luzem na solidão da mesa posta. Quatro pratos dispostos geometricamente, os copos altos em que a luz sanguínea de um Porto velho arde juntamente com as velas. O fumo dança no silêncio que se abate nos pratos vazios. A fruta na cristaleira adquire tons de ébano. Os minutos escorrem, vagarosos. Da casa vizinha chega-lhe o burburinho de vozes, garfos e facas em laborioso fragor, gargalhadas a espaços com o tilintar dos copos que ela adivinha de pé alto, elegantes, reluzindo a textura suave dos vinhos espumantes. E de súbito está à volta da mesa, na casa dos avós, acompanhada por aqueles que tão bem conhece, metade já mortos, mas ainda a sorrirem-lhe do espelho da memória. O espelho falso, mentiroso, da memória. Podia começar tudo de novo, pensa, enquanto se deixa inebriar pel

We should all be feminists, by Chimamanda Ngozi Adichie

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Também na literatura homens e mulheres são lidos com diferentes olhos. Quando um homem escreve uma estória de amor, por exemplo, impressiona, demonstra que é inteligente e sensível, sendo este último atributo considerado fora do mundo da masculinidade. Quando uma mulher escreve sobre o mesmo tema, está a fazer apenas aquilo que se espera dela, e, por isso, não impressiona ninguém. Para o conseguir terá de fazer um esforço acrescido para demonstrar que é inteligente e culta, para além de sensível e emotiva. Há pouco tempo, por altura do aniversário de Chico Buarque de Holanda (que eu adoro, note-se), muito se falou do seu sucesso como cantor, compositor e poeta, e o que se ouvia andava quase sempre à volta dos mesmos comentários: a forma única e brilhante como ele consegue descrever os sentimentos de uma mulher. E agora pergunto eu: se aquelas letras fossem escritas por uma mulher, teriam por acaso menos valor? Definitivamente acho que não, mas tenho para mim que se esse fosse

Grandes Males, Grandes Remédios

Quando descasco e pico cebola, ultimamente, noto que os olhos já não ardem tanto. Não sei se é impressão minha, mas lembro-me de quando chorava baba e ranho com a mesma actividade. Uma vez ou outra lá acontece e então começo a desconfiar de que há várias qualidades de cebola, consoante o potencial lacrimejante. Aliás, lembro-me de ter ouvido ou lido, na televisão ou no jornal, que a investigação em modificação genética iria proporcionar, em alguns anos, um descascar de cebola isento de lágrimas. Foram estes pensamentos que me trouxeram o mote para esta estória. Dona Mínima vivia lá nos fundinhos dos campos, muito depois de se atravessar o ribeiro e de a estrada de terra se perder em carreiros de mal traçados pés. Vivia numa casa de pedra, de idade desconhecida, que parecia ter nascido da terra como as árvores e os sonhos. As paredes confundindo-se com as rochas, convertidas em sagrados monumentos graníticos. Para lá chegar, tinham de se percorrer caminhos incertos, no meio dos vales, t