Distância de Insegurança - Diário da Pandemia

6 de Abril 2020 

Não pretendo que isto se torne um diário. Não sei que nome dar a isto. São apenas coisas que me passam pela cabeça. Pensamentos velozes. O mundo está parado e o pensamento é a única coisa que corre, para além dos rios. Ou será o contrário? Vemo-nos estagnados, em casa; o corpo insiste em sair e correr para manter a ilusão de movimento, mas no fundo de si tudo está parado, o olhar fixo num ponto lá muito ao fundo, tentando vislumbrar uma réstia de esperança; permanecemos imóveis e o mundo vertiginoso na sua corrida louca em redor do astro rei; os corpos caem no campo de batalha mas não estamos lá para ver, só o silêncio, e a ausência rapidamente se confunde com indiferença, fica o coração confundido; devemos chorar, espremer a angústia até ao tutano, ou dar graças por não ser connosco? Os pensamentos sucedem-se em linha recta e às curvas. No outro dia, os miúdos falavam entre eles, um dizia que os pensamentos ficam destituídos de moralidade se não se concretizarem numa acção. Um acto pode ser classificado como mau ou bom, já um pensamento, não faz qualquer sentido denominá-lo como tal. O outro discordava. Meti-me na conversa e fiz-lhes ver que, em termos de saúde mental, os pensamentos são inócuos; não provocam qualquer dano per si. Aliás, quanto mais liberdade de pensamento, mais saúde mental. Ideias obsessivas, aquelas que atormentam e causam sofrimentos atrozes, não passam de uma tentativa gorada de aprisionar o pensamento, de o policiar; o medo de pensar a revelar-se, sem dúvida, uma das enfermidades mais virulentas da nossa época. Há quem pretenda expurgar os pensamentos e as emoções negativas como outrora os pecados da carne - do corpo passámos para a mente, numa fuga compulsiva de tudo o que nos é intrínseco porque profundamente humano. Negar a humanidade será o pior dos destinos. Precisamo-nos inteiros, mais do que nunca. 

 Unsafe Distancing - A Journal of the Pandemic 


6 April 2020 

I don’t want this to turn into a diary. I don’t know what name to give it. They are just things that cross my mind. Quick thoughts. The world is at a standstill and only our thoughts run free, besides the rivers. Or is it the other way around? We find ourselves stagnating at home; the body insists on going out and running to keep up the illusion of movement, but deep down everything is static, the gaze fixed somewhere in the distance, trying to glimpse a shimmer of hope; as we remain motionless, the dizzying world continues its crazy dash around the king star, bodies fall on the battlefield but we are not there to see, there is only silence, and absence is quickly mistaken for indifference, our heart is bewildered, should we cry, squeeze out every last bit of anguish, or just be grateful it’s not us? Thoughts form in straight lines and curved ones. The other day my boys were talking between themselves; one said that thoughts remain devoid of morality if they do not become actions. An action can be deemed good or bad, but it makes no sense to classify a thought this way. The other disagreed. I entered the conversation and explained to them that, in terms of mental health, thoughts are innocuous; they do not themselves cause damage. Indeed, the more freedom of thought, the better our mental health. Obsessive ideas, those which torment and cause terrible suffering, are nothing more than a doomed attempt to imprison thought, to police it; the fear of thinking is proving one of the most virulent illnesses of our time. There are those who wish to purge negative thoughts and emotions as once we did with the sins of the flesh – we have moved from body to mind, compulsively fleeing everything that is essential to us, our deeply human core. Denying humanity would be the worst possible fate. We need our whole selves, more than ever.

Translated by Andrew McDougall 
Andrew McDougall was born in Glasgow and studied Portuguese and English literature at the University of Edinburgh. He has also lived in Sussex, Lisbon, Coimbra, Logroño, Vitoria-Gasteiz and Norwich, where he completed an MA in Literary Translation. His work has included co-translating a book by José Eduardo Agualusa, and translating a chapter by Ana Cristina Silva as part of the Escape Goat project (www.escapegoat.world), on which he also collaborated as an editor. He translates from Portuguese and Spanish.     

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