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Showing posts from November, 2020

Nada na manga

Lembro-me de a minha avó andar com um lenço dentro da manga para se assoar. Nunca me perguntei do motivo para tal. Durante a infância, e boa parte da vida adulta, estes detalhes da vida dos mais velhos não nos causam qualquer inquietação. Olhamos os velhos como se pertencessem a uma espécie diferente: a gente sabe que um dia a metamorfose acontecerá, mas por enquanto ainda estamos do lado de cá. Ao aproximarmo-nos do meio século de existência, caímos na real: não existe transformação nenhuma, nem fronteira; apenas o tempo que traz fraqueza e maleitas ao corpo. Hoje em dia tenho de me assoar constantemente. Não é por andar sempre constipada, é porque o pingo no nariz tornou-se numa constante, capaz de irritar até a mais pacífica das criaturas. É aquele pingo discreto, suave, quase gentil, mas que, não obstante, está sujeito à força da gravidade e, por isso, nos obriga a gastar quantidades de lenços pouco recomendáveis à saúde do planeta. Já pensei várias vezes na praticalidade de andar ...

Um poema da Pandemia

Isto ou Aquilo Há pouco Na varanda Ouvi o vizinho do lado Não sei onde isto vai parar Não percebi do que falava  Mas lembrei-me da minha mãe  Ontem  Na cozinha Para o meu pai Isto vai de mal a pior Há um senhor na televisão  Que está sempre a dizer Isto é uma vergonha! Assim, com ponto de exclamação  Então resolvi ir ao dicionário  Mas fiquei na mesma O que é um pronominal demonstrativo? Perguntei à minha irmã  Não me chateies Foi a resposta  Eu insisti O que é isto de que toda a gente fala Que é uma vergonha E vai de mal a pior E ninguém sabe onde vai parar? Deve ser a tua língua, puto A minha irmã é uma chata  Está sempre a desconversar  Voltei para a varanda O vizinho continuava ao telefone Ou talvez falasse sozinho Anotei todas as vezes que ele disse a palavra  Isto não pode ser Isto não se aguenta Isto ainda é pior do que eu pensava  Isto é ridículo  Isto é uma merda Isto é demais! Isto é uma coisa Isto não se pode Is...