Nada na manga
Lembro-me de a minha avó andar com um lenço dentro da manga para se assoar. Nunca me perguntei do motivo para tal. Durante a infância, e boa parte da vida adulta, estes detalhes da vida dos mais velhos não nos causam qualquer inquietação. Olhamos os velhos como se pertencessem a uma espécie diferente: a gente sabe que um dia a metamorfose acontecerá, mas por enquanto ainda estamos do lado de cá. Ao aproximarmo-nos do meio século de existência, caímos na real: não existe transformação nenhuma, nem fronteira; apenas o tempo que traz fraqueza e maleitas ao corpo. Hoje em dia tenho de me assoar constantemente. Não é por andar sempre constipada, é porque o pingo no nariz tornou-se numa constante, capaz de irritar até a mais pacífica das criaturas. É aquele pingo discreto, suave, quase gentil, mas que, não obstante, está sujeito à força da gravidade e, por isso, nos obriga a gastar quantidades de lenços pouco recomendáveis à saúde do planeta. Já pensei várias vezes na praticalidade de andar